541 Palavras
Padre Aguiar se preparava para dormir quando ouviu sons provenientes da câmara principal da igreja. Alguém cantarolando e assobiando...
"Será ele novamente?!", pensou, empolgado. Afinal, aquela já tinha sido uma noite de profundas e fantásticas revelações.
Entretanto, ao acender as luzes do templo, percebeu que se tratava de outro visitante...
- Gabriel esteve aqui? – perguntou secamente o homem de terno preto. Apesar de elegante, sentava-se com displicência, com as pernas cruzadas e os cotovelos apoiados no encosto do banco.
O velho padre percebeu que o visitante tinha a mesma essência de Gabriel, pois agora sabia facilmente distinguir anjos de humanos. Mas seu brilho, sua luz, não era tão radiante...
- Posso saber seu nome, filho? – perguntou.
- Isso não importa – respondeu o anjo. – Tudo o que você precisa saber é que o que foi dito aqui não deve ser contado a ninguém.
- Bem... – respondeu o padre, com um leve sorriso – apesar de agora viver na certeza e não mais na fé, concordo que seria muito difícil convencer alguém, até a mais devota das beatas da igreja, da metade das maravilhas que Gabriel me disse!
- Maravilhas? – surpreendeu-se o anjo – Até quando ele falou do arrebatamento?
- Por quê? Irá realmente acontecer?
- Maldito Gabriel! – esbravejou o anjo – Sempre acaba deixando o trabalho sujo em minhas mãos! O arrebatamento terminou há nove anos!
- Como assim? – padre Aguiar estava perplexo.
- Apocalipse 14...
- Apenas cento e quarenta e quatro mil pessoas se salvaram? – questionou o padre – Mas aquela passagem faz alusão aos...
- Aquilo é o que é, e nada mais. – interrompeu o anjo – Vocês, pequeninos irmãos, têm esse péssimo hábito de reinterpretar as escrituras sagradas! Quando não as reescrevem!
- Então, não fui...
- Sinto muito, padre. Você foi uma boa pessoa, mas não o suficiente...
- Mas, se tudo já foi... consumado – disse o padre, com dificuldade em encontrar as palavras. – O que é isto aqui? O purgatório? O inferno?
- Ainda não. É que a simples ideia de presenciar o desespero de bilhões de almas condenadas, era de uma angustia mortal para muitos de nós. Por isso, convencemo-Lo a deixar o mundo sob nossos cuidados, mesmo que para isso fôssemos privados de Sua luz e presença para sempre...
- Condenaram-se por nós?! – admirava-se o padre.
- Sim. Mas sabe o que penso? Que talvez essa punição faça parte dos planos divinos. Afinal, agora, me sinto devidamente julgado...
- Anjos têm mais poder do que imaginei...
- Vocês sempre nos subestimaram! E esse é o meu rancor... Mas a verdade é que manter esta farsa está sendo desgastante. Nosso poder é grande, mas limitado. Mais cedo ou mais tarde tudo isto ruirá. Agora chega! Já falei demais! Até o que Gabriel não teve coragem de lhe dizer.
- Então não há mais esperanças... – disse o padre, dirigindo-se para o altar. E enquanto se ajoelhava em frente ao grande crucifixo, lágrimas brotaram de seus olhos,.
- Não chore, padre. O inferno é pior do que imagina. Digo por experiência própria. Mas vocês, pequeninos irmãos, têm uma extraordinária capacidade de adaptação. Acabam se acostumando...
- Não choro por mim ou pela humanidade – respondeu o padre Aguiar, ainda de joelhos. – Choro por vocês, e o último sacrifício que fizeram por nós...
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5 comentários:
Uma idéia interessante, mas o meio do conto ficou confuso, pois não há referencias ao que o Gabriel e o padre conversaram. Ou pelo menos eu fiquei com a sensação de que algo importante não foi dito...
O conto está redondo, mas mesmo assim eu cortaria alguns diálogos e acrescentaria um pouco de descrição do ambiente e das expressões dos personagens...
Olá Aguinaldo! Obrigado pelos comentários!
Na verdade, o que o padre e o anjo Gabriel conversaram é o que está subentendido no texto mesmo: que anjos realmente existem e que há uma maneira de diferenciá-los dos humanos. Gabriel não teve coragem de contar mais nada...
Você chegou a imaginar se o outro anjo (que não precisamos dizer o nome) estava apenas mentindo? Afinal, ele é o pai da mentira. Talvez estivesse apenas querendo deixar o pobre padre desesperado... Isso dá uma nova perspectiva ao conto, não?
Gostei muito desse, pq mostrou uma perspectiva diferente sobre a Salvação, e pq mostrou uma forma diferente de encarar a situação: se compadecendo dos anjos. Tbm achei interessante a interpretação sugerida no grupo, do segundo anjo estar mentindo. O segundo melhor, na minha opiniao.
Uma ideia utilizada de forma legal. Senti também um pouco de confusão pela falta do que Gabriel e o padre conversaram, mas percebi que esse não era o ponto central da história. O ato final do padre também é muito singelo e condizente. Gostei bastante.
Sim, Lucas! A conversa entre o padre e o anjo Gabriel foi apenas para criar um pequeno background para o conto. O ponto central mesmo é o diálogo entre o padre e o "anjo caído" que, de certa forma, estava redimido.
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